Resumo de Tese
A expansão do organicismo na psiquiatria e sua difusão no campo social: uma análise de suas relações com a concepção moderna de pessoa
Marta Filartiga Henning
Dissertação de Mestrado
Instituto de Medicina Social/UERJ, 1998
Há consenso em identificar-se a década de 80 como o período a partir do qual impõe-se, hegemonicamente, uma versão organicista da psiquiatria, normalmente chamada “psiquiatria biológica”. Procuramos demonstrar como essa hegemonia implicou um alargamento dos comportamentos considerados passíveis de serem relacionados a uma condição patológica precisa, com base numa interpretação fisiológica de sua etiologia e de serem tratados através da administração de psicofármacos. Observamos que este alargamento abarcou uma gama de comportamentos até então referidos a uma outra área de medicalização, as psicoterapias. Nosso objetivo neste trabalho é avaliar qual a relação entre a difusão social da psiquiatria biológica e sua leitura do mal-estar psíquico e a noção de pessoa vigente no mundo contemporâneo. Procuramos demonstrar que a noção de pessoa moderna, que possui como valores básicos a igualdade e a liberdade, implicou a constituição de uma instância interior, a instância do psicológico. A psiquiatria, enquanto primeira especialidade da medicina, procurou conciliar a “cientificidade” da medicina com os valores concernentes à noção de pessoa moderna. Ao abordarmos o quadro psiquiátrico atual, identificamos uma recusa, por parte dos adeptos da psiquiatria biológica, dessa especificidade característica da psiquiatria desde seu nascimento, buscando fazer dela uma ramo da medicina geral ao eliminar de seu objeto qualquer aspecto subjetivo. Acompanhamos esta recusa através da análise das transformações do Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais, produzido pela Associação Psiquiátrica Americana, ao longo de suas cinco versões. Através do estudo de caso da categoria diagnóstica Distimia, procuramos compreender a implicações da hegemonia do discurso da psiquiatria biológica e sua difusão social, na concepção de pessoa no mundo ocidental. Uma representação eminentemente fisicalista na interpretação dos comportamentos humanos toca num ponto fundamental da concepção de pessoa moderna a liberdade, o livre arbítrio – exigindo uma reformulação dessa concepção, no nosso entender, no sentido de uma maior normatização do comportamento individual.
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